23/12/20

matriz

 23/12/2020

Demián Flores — Dialogo (1997)

Fala-se muito sobre mães. As mães; a mãe. Maternidade, dar a vida? O que se sabe? Que amam muito? Mães amam tanto, com uma ferocidade tão irrepreensível, que se dilaceram no próprio amar? Mães. Um jeito de ser ou uma posição genética? Ontológica: a mãe é assim assado, existe para tal; ai dela se desnaturar. Performática? A mãe apresenta um modo de ser! Ai dela se não for mulher! Mulher? Que ama. Seus filhos, sua casa, seus cuidados. A si mesma? Mães amam tanto, mas tanto, que não suportam.

Mas e as mães que não amam? Essas não são mães? Não posso voltar, já disse: mães que não amam (são mães)! Porque ninguém escolhe ser mãe: a humanidade gera-se. É basicamente um fardo. Ter ainda que amar? Que maldição! Ou não! O amanhã mais bonito é este depois do dia em que as mães puderem escolher se vão nascer. Ou não. Talvez seja este em que nenhuma mãe precise nascer. Porque no fim o que importa é o amor, não é mesmo?

O amor pode ser esse de mãe. Pode ser esse de fazer o mundo ter cuidado. Esse é o amor que faz uma pessoa se proteger na rua. É o amor que copula com o mundo e faz nascer o cuidado onde não há! Não há preferências! Todas as pessoas são mães! O humano existe para ser mãe! O amor não escolhe fatos, não privilegia, anarquiza sutilmente, destrona o bebê, o coloca no chão com delicadeza para então nascer como alimento, no outro lado da aventura possível. O amor é a possibilidade de que haja um sentido para esquecer a morte. E viver. Que mãe, nesse mundo, não gostaria de esquecer a morte por uns dias? Quem não gostaria de ser amada?

O problema da mãe é o filho. Os filhos da mãe! Estes só pensam em filosofar, policiar, fazer política, civilização, comer, comer muito, comer o mundo e poder se descuidar. Eles dizem: “Vocês que se virem com a merda do mundo! Eu não tenho culpa, quem defeca é meu ânus! Quem chupa é minha boca!”

Porque se os filhos aprenderam uma coisa, essa coisa é o descuido. Quando nem nada havia, aparecia uma teta para mamar. Uma minhoca suculenta. Uma providência divina. Mal sabiam eles que seus prazeres matavam mães e mães. Até Deus já morreu de tanto amamentar. Mas eles nunca vão aceitar o orfanato. Eles vão inventar tetas, minhocas, providências até no cú do outro pra não ter que aceitar o matricídio. Que os filhos da mãe não querem copular com o mundo; não querem ser penetrados nunca; não querem gestar a possibilidade do cuidado. E assim a paisagem vira monumento, a seca vira lei, e o outro que se foda.

No entanto, eis que se ouve, vindo de longe, um rumor de intimidade; no mais longínquo deserto, no meio do fim do mundo, uma voz de mãe menina se faz escutar: “A bandeira? A cultura e a civilização? Que se danem!

Ou não!”

Que as mães não são nada, ou que elas são tudo, ou que elas simplesmente não aceitam mais essa palavra infernal, assassina, pairando sobre elas! Mãe é o caralho! E os pais desviam o olhar, como se não fosse com eles. Os pais, que não aceitam performar nem gestar o cuidado. “Afinal, se assim o fizermos, seríamos todos mães, não é mesmo?” É o que dizem.