14/03/20

percepções do massacre de Suzano

 14/03/2019

PERCEPÇÕES DO MASSACRE DE SUZANO 


a dor criando qual dança diabólica novas formas, níveis e cores de sangue explodindo a cada dia mais nas escolas prisões, sangue intermitente, que resiste, que mata de dentada, mastigando a existência aos poucos, atirando nos pés, nos dedos, nos olhos um de cada vez, porque fosse só a morte não haveria gritos, não haveria dor
mas há.
é que agora as crianças crescem para enfiar a porra do pinto num buraco e finalizar a vida, os adolescentes são máquinas mortíferas automáticas metralhadoras de aniquilar corpos de si e de outros, os adultos deformaram seus corpos modelaram sua encarnação num funil, numa viseira ou num chicote que estrala nas costas do mundo que tentam prostituir matar escravizar, sem nada sentir a não ser o clique do estalo

não sentem

pois nem mesmo os reis gozam da violência que dogmaticamente produzem no mundo. príncipes do castelo de muros são torcidos num apontador, saem em disparada aos seus alvos, seus pontos, porque isso é tudo que existe, e, como abelhas, furam o mundo e se matam protegendo algo que nunca tocaram ou sentiram, nem mesmo seus pais, nem mesmo seus avos.

mas abelhas estão livres da moral.
nós não.
nós estamos acorrentados no tambor de um revolver que ajudamos a criar,
nós vivemos para construir aquilo que nos causa a dor
nós inventamos os direitos humanos para nos torturar ainda mais com nossa própria incapacidade de prática-los

mas não porque somos loucos
ah, não.
nós somos perfeitamente construídos. nós somos a maravilha da natureza, o projeto final, vencedores do concurso, ouro racional, projétil.
projétil ser humano.
professores, profissionais, produtores, poderosos, nós somos a autoridade:
a matéria militar,
a tirania elemental, astro a quem devem obedecer os outros>> nós, os outros.
é!
é ao projétil!
é ao projeto que devemos obedecer, avanti!
maquinistas do trem-bala! avanti!
até que não haja mais nada no universo!
até que atinjamos a velocidade da luz!

luz.
a eletricidade é o nível final dessa bizarra maravilha que é o ser humano. conseguimos mentalmente torcer o silício, produzir a dobra nanoscópica precisa e assim virtualizar a realidade ao nível do elétron
nós nos curvamos ao elétron
hoje todos os cantos, todos os lados, todas as paredes
ou qualquer falta de horizonte/pessoa
que você quiser inscrever na equação da sala de espera;
qualquer fresta, qualquer gesto, sujeira, textura,
qualquer aparente diferença produzida pelo que nos cerca
não está lá.

há apenas a prótese de nossos objetivos corpos esquecidos.

só nos resta contrariar aquilo que, até hoje, fomos.
resta contrariar a nossa própria natureza.
resta acreditar que existe uma maneira de seguir vivendo...
e
é de se perguntar, eu sinto, é de se provocar à pergunta,
questionar aos quatros cantos da sala:
porque nossas crianças estão substituindo a fruta pelo elétron?
o que há de desejável na tela, que é indesejável no resto?
o que faz com que 536 milhões 479 mil e 200 segundos,
ou dezessete anos da experiência vivente de um organismo pulsante e criativo,
culmine todas essas potências num curto prazer, na aniquilação do mundo e de si?


para além das óbvias mágoas, dos absurdos morais que provem de um massacre tão nefasto, da incredulidade, da raiva dolorida, da vontade de destruir isso que destrói,
é nosso dever, enquanto o que restou de vida, sermos éticos e, de uma vez por todas, ouvir o que está sendo expressado através deste episódio,
o que está sendo expressado, inclusive,
através da existência desses dois meninos aberrantes.
o que esse gesto diabólico e ao mesmo tempo tão inescrutável, incompreensível, impossível de empatizar, o que ele expressa?
"tudo isto que esta aí, todas essas vidas, todas essas pessoas, inclusive eu, são falhas. só existem para deixar de existir. não há outra maneira de se viver que não seja reduzir essa falha no mundo. não há outra maneira de se viver."

VERGVOKTRE

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário