08/12/21

a recife criativa da unesco

 

"Recifenses conferem o título de condenscendente à Unesco."
 
Mas falando sério, eu fico muito incomodado lendo coisas como "Recife se tornou uma cidade criativa". Claro que, mediante uma reflexãozinha bem banal, a gente já ressalva que é "só um título conferido por tal instituição". Mas o que há por trás dessa nomeação? É um ato de linguagem, é um ato que engendra uma concepção de mundo. Uma concepção globalista, que toma o "Mundo" como ponto de partida. E aí já vem a imagem da esfera azul e verde. O "olho que tudo vê" dos satélites, a tecnosfera enquanto uma espécie de entidade transcendental, capaz de conferir e retirar essências das coisas do mundo. Enfim, um pacto social global que tenta regular o jogo entre imperialismos, e essas instituições internacionais com o papel de juízes universais. Porque é a UNESCO que valora Recife, e não Recife que valora a UNESCO? Não desprezo os efeitos benéficos desse ato de linguagem, na medida em que pode atrair recursos materiais pras comunidades locais. Mas é ingênuo relevar o fato de que a Recife-da-UNESCO é vinculada a uma perspectiva burguesa e mercadológica. De que esses recursos chegarão destinados à essa Recife - Cidade Criativa, a mais nova mercadoria capaz de gerar valor para esse capital cada vez mais incorporado à tecnosfera. E, bem, que isso aumente a renda de algumas pessoas, que pequenas empresas de turismo se beneficiem disso, que oportunidades nasçam para empreendedores praticarem o "cálculo racional", "serem racionais", e, se abstendo dos afetos locais e suas valorações próprias, vislumbrar uma "criativa" forma-mercadoria de sua própria terra, de sua própria história, de sua própria verdade. Vejam aí o PIB aumentando, a glória econômica coroando a UNESCO como Leviatã, autômato hiper-complexo, invenção científica, que levará a humanidade para seu futuro prometido, de muito consumo, novas moedas. E assim, da singela vontade de aumentar sua qualidade de vida e participar desse futuro, esses novos empreendedores sem saber se transformam na lubrificação da máquina global, ou, quiçá, nas novas linhas do código do grande software. O que é fácil de entender, no entanto, é que na sombra dos crescimentos econômicos há uma edificação de novos abismos entre as pessoas, entre as espécies, entre classes, etc. E a cidade de Recife, que sempre foi "uma cidade criativa", para a qual a palavra "criativa" é quase uma diminuição, veste seu uniforme de competidora global, ganha sua insígnia e avança nas raias do progresso.

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