26/10/2019
1
tento pensar na possibilidade de escrever o acontecimento
tento, e já estou a me lançar
tento pensar, e atravesso uma barreira densa
tento pensar na possibilidade, e a imensidão se iguala ao meu corpo
o acontecimento tem tudo que é impossível de ser visto, em cada partícula de sua aparição
e ainda mais, tem o acontecimento um movimento que jamais pôde ser deduzido,
o acontecimento, que envolve tudo aquilo que é nosso
e irrompe ativamente de dentro dessas mesmas coisas, desapropriando-nos
parece-me que escrever o acontecimento é inevitavelmente acontecer de outra maneira
ele acontece enquanto não o pensamos e,
quando fazemos de pensá-lo, algo de essencial nele morre
para logo passar a acontecer apenas nas marcas que deixou, no corpo
uma contínua reverberação, um dínamo sísmico, carregando a história contra a história,
o acontecimento é um só presente em infinitos feixes de continuidade
que estão efetivamente afectados uns nos outros
mas como pensar este que é antes do pensamento?
vivê-lo ou pensá-lo?
vivê-lo e pensá-lo
logo, vivê-lo de outra maneira
o que, ferozmente,
é viver já um outro acontecimento
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certo de que pensar é um outro
pensamos sobre o pensamento afim de observar a observação
criar conhecimento?
experimenta-se pois é acontecer com línguas e tímpanos
e assim encontrar no acontecimento relevos, fissuras e linhas, isto é, intuir encontrar
(pois nunca se sabe)
intuir encontrar seu caráter ou topologia e então processar uma cartografia.
é loucura fazer um mapa do fogo?
mas se diz > "fogo"
algo por ali que nunca jamais nos faria sentir frio
mas como é fazer um mapa daquilo ou disso
que se apresenta sempre uma estréia de uma arte desconhecida?
como é cartografar um terremoto? (o continente é um terremoto misteriosamente lento)
3
inventam-se linhas para dizer a respeito das linhas que supostamente não se inventaram
poder dizer ISTO ------> é -------> AQUILO
poder
o que
dizer onde ACONTECE como
quem
algo do acontecimento permanece
algo dele que certamente não é ele
permanece
então aí SABEMOS.
sabemos que sabemos.
assim um sujeito parece emergir daquilo que agora é o objeto.
(nunca foram)
podemos iniciar a navegação.
o que se sabe
age sobre o corpo
do que se faz
como um leme
um martelo ou um facão
ferramenta que tem a capacidade de convocar a resposta
vibração que percorre a rígida palavra e liga
o mundo e a garganta
4
mas o que se sabe?
nossos mapas funcionam para reduzir a diferença entre a suas linhas e as do mundo
(controle)
apenas quando insistimos em percorrê-las em círculo
viver dentro do mapa
isto é
impedir o acontecimento
justamente o fascínio e o terror de olhar pela fresta da sabedoria
e confirmar surpreendidos
que até o rosto do ser humano é um abismo
quando não con-forma na fôrma do desenho antigo
5
por isso procurar escrever o acontecimento
procurar escrever
é acontecer de outra maneira
exatamente na mesma contínua aberração
que foi o ser humano
acontecer e permanecer obstinado em ser humano
acontecer e permanecer
permane-ser-humano
e não acontecer
como?
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